O desprezo velado dos pais para com os filhos
Toda
criança tem o direito de brincar. Isso é um fato. Porém, existe uma
característica interessante na evolução dos brinquedos e brincadeiras das
crianças nos últimos anos, principalmente os eletrônicos, que é a pouca
socialização – seja com outras crianças, ou mesmo com os pais.
Não
somente a brincadeira, mas praticamente toda atividade infantil planejada pelos
pais e/ou outros adultos, visa uma coisa especificamente: deixar a criança
quieta, imóvel e, de preferência, longe dos pais para não “torrar a paciência”.
É possível constatar isso ao analisarmos que as crianças de hoje em dia têm
poucas brincadeiras pedagógicas, ou seja, brincadeiras úteis ao seu
desenvolvimento – seja cognitivo, seja motor; ficando mais imóveis, reprimindo
o desenvolvimento da personalidade.
Fala a
verdade, papai e mamãe, ao comprar um brinquedo para o seu filho, você se pergunta
se tal brinquedo será útil ao desenvolvimento do seu filho? Usarei o mais
palpável dos exemplos: o videogame. Por que você comprou ou quer comprar um
videogame para sua criança? Muito provavelmente você me responderá com pelo
menos uma das seguintes alternativas:
a)
É melhor ficar jogando videogame do que ir para a
rua estar com maus elementos aprendendo o que não presta (e o jogo ensina algo
que presta?);
b)
É bom ele(a) ficar jogando, fica tão quietinho,
bom que faço minhas coisas.
c)
É bom que não fica me perturbando para fazer
coisas com ele. Tudo está programado.
Bom,
existem n motivos que você pode dar
para comprar um videogame para a sua criança, mas, muito provavelmente, todos
esses motivos girarão em torno de deixar a criança longe de você. Não é
verdade? Infelizmente os pais não pensam se o videogame será bom ou não para a
criança, se determinado jogo faz bem ou mal, se é indicado para a idade do
filho, o tempo em que a criança passa diante da tela... Nada disso importa. O
que importa é imobilizar esse ser para que não me faça assumir a
responsabilidade de pai/mãe e estar presente na vida dele.
Ser pai,
ser mãe, é muito mais do que gerar. Muito mais. É estar junto, é educar, é
amar. Não se despreza o que se ama. Então por que há pais que desprezam seus
filhos? Talvez seja uma ação inconsciente, mas ela existe e está se impregnando
na nossa cultura. Antigamente as famílias se reuniam para jantar, e após,
conversavam; hoje, cada um come em um lugar da casa e não há reunião após a
refeição, papai e mamãe vão assistir novela na sala, e as crianças desenhos ou
jogar videogame no quarto. Antigamente o papai ou a mamãe liam histórias para
os filhos; hoje, no entanto, põe um Dvd com uma história bem estranha e
imprópria. Antigamente papai levava os meninos para jogar futebol; hoje, no
entanto, dorme até mais tarde, e os meninos jogam Fifa ou PES no videogame.
Antigamente... Bom, são muitos os exemplos.
Os pais
estão terceirizando a educação dos filhos em todos os aspectos. Há crianças que
desde a mais tenra idade vão para as creches sem a mínima necessidade,
simplesmente para dar mais comodidade aos pais. E quando digo sem necessidade é
me referindo aos casos em que um dos pais não trabalha e fica o dia no lar. A
própria escola é um desses “abandonos”, uma vez que o pai outorga ao Estado ou
a instituição de ensino contratada o dever de educar os filhos, sem nem ao
menos se dar ao trabalho de verificar o que estes tem aprendido na escola.
Muitas escolas ensinam imoralidades e ideologias, mas os pais estão pouco se
lixando, pois a escola adquiriu um caráter além do de ensinar: o de dar “paz”
aos pais em pelo menos um turno do dia. Tanto é verdade que a possibilidade de
aumentar as escolas de tempo integral é um alvoroço só. Comemora-se como um
título de Copa do Mundo! Se uma manhã ou uma tarde sem criança em casa já é
bom, imagina o dia todo fora? Quando chegar a noite segue o esquema de cada um
para seu canto e... Bom, quem educa a criança: você, ou terceiros?
Depois
que comecei a estudar Pedagogia passei a ter um olhar observador para com as
crianças e seus pais. Olhar o desenvolvimento das crianças me fascina. Mas,
infelizmente, vejo o quanto a negligência dos pais e pseudo educadores
atrapalha o sadio desenvolvimento da personalidade infantil.
Conheço
um caso muito interessante para servir de exemplo. Há uma mãe de um filho único
que vive gritando com o filho. A criança é ágil, ou seja, gosta de estar
agindo, isso é sadio. Mas a mãe quer um filho paralisado. Se a criança brinca
com um brinquedo que vem a quebrar, a pessoa berra para com a criança. Como ela
fica impaciente com a criança, ela descobriu um método: dá o celular para a
criança de dois anos ficar assistindo desenho ou “jogando”. Isso mesmo, dois
anos. E fica lá a criança paralisada diante do brilho de um celular, tendo a
personalidade sufocada, porque a impaciência de uma mãe não faz ver a
necessidade da criança, que quer afeto, amor, presença, atividades úteis para
seu desenvolvimento. Essa mãe por vezes inventa as desculpas mais esfarrapadas
para levar sua criança para uma outra casa onde há uma criança, que nem se dão
muito bem, diga-se de passagem, mas ela leva mesmo assim, pois quer “descansar”.
Eu
entendo que a educação dos filhos dá um trabalho enorme. Por isso escrevo este
texto com um tom mais duro, justamente para que entendam que ser pai ou mãe não
é uma questão de status, de fotos em redes sociais, mas uma vocação, uma responsabilidade.
Tirar fotos belas e fingir felicidade em rede social é fácil, difícil é amar e
estar presente na vida dos filhos verdadeiramente.
PORÉM,
evite cometer o desprezo maior que é o não ter filhos. Afinal, é melhor ter
filhos e ter trabalho por não desprezá-los, do que desprezá-los evitando
tê-los. Infelizmente a sociedade de hoje evita os filhos de duas maneiras: uma
é a exposta acima; a outra é impedindo que as crianças nasçam. Ora, muitos pais
reclamam não ter tempo para brincar com os filhos, e, de fato, não estou
dizendo que devemos brincar 24h com os filhos; mas, por outro lado, se fossem
mais generosos e tivessem muitos filhos, eles teriam irmãos mais ou menos da
mesma idade, que gosta das mesmas brincadeiras, e teriam uma sadia
socialização. Os nossos avós não tiveram muito problema com carência afetiva –
no sentido de se sentirem desprezados e/ou não conviverem com outras crianças e
adultos.
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