A VONTADE DE DEUS EXISTE!

by - dezembro 28, 2020

 


Por mais que sejamos dotados de livre arbítrio, isso não anula um fato: Deus tem uma vontade pessoal para cada um de nós. De maneira geral, Deus quer, como diz o Apóstolo, que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Podemos dizer de maneira resumida, usando uma fala de Deus no Antigo Testamento, que sua vontade de resume em: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lev. 19,2).

O problema é que muitas pessoas acham que a vontade de Deus é geral, não pessoal. A vontade de Deus é que sejamos santos, mas eu – diria o cristão do século XXI – serei santo do meu jeito, fazendo as minhas vontades. As pessoas acham que a vontade de Deus para nós é simplesmente não cometer os pecados mais grosseiros: não adultero, não me prostituo, não uso drogas, não cometo assaltos... Estou fazendo a vontade de Deus. E não é bem assim.

A vontade geral – universal, para usar o termo dito pelo Concílio Vaticano II – de Deus é que sejamos santos. Mas não ao nosso modo, mas ao modo de Deus. São Francisco de Assis e São Domingos foram santos, mas a vontade de Deus para cada um foi extremamente diferente. A vida franciscana foi e é diferente da vida dominicana. Assim nós vemos as diversas manifestações de santidade na Igreja: ordens, congregações, institutos, comunidades, confrarias, apostolados. Mas não somente isso. A própria vivência pessoal de cada um, a relação de cada um com Deus, é diferente. Deus quis que alguns franciscanos fossem mártires. Santo Antônio de Pádua, inspirado neste testemunho, torna-se franciscano para também ser mártir. Ao viajar para junto dos pagãos, fica doente e tem que regressar. A vontade pessoal de Deus para ele não era o martírio, mas sim o ser eloquente pregador do Evangelho.

No século XXI nós estamos cometendo a heresia – se assim posso definir – de dizer que Deus não tem uma vontade pessoal para nossas vidas. É claro que seria uma igual heresia eu dizer que Deus não respeita a escolha pessoal de cada um e/ou que somos marionetes; afinal, a Igreja já declarou ser heresia a doutrina da predestinação. Não somos predestinados; mas Deus tem uma vontade para nós, cabe a nós corresponder ou não.

Usemos a seguinte figura: você é um filho muito amado de seus pais. Desde cedo eles te colocaram em uma boa escola, deram uma boa educação. Eles queriam que você cursasse medicina; você, todavia, decidiu ser arquiteto. Os seus pais vão continuar te amando e respeita a sua decisão; mas isso não anula o fato de que a vontade dos pais era a medicina, não a arquitetura.

Com Deus acontece semelhante, embora o exemplo seja uma pálida visão da realidade. Deus quando nos criou nos deu dons, talentos, capacidades. Ele tem uma vontade pessoal para nós. Mas nós somos livres. Nós podemos escolher corresponder aos dons e talentos que Ele nos deu ou não. Se você tem talentos para exercer determinado ofício, mas decide seguir outro simplesmente pensando em um maior lucro, você estará fazendo sua vontade (ganhar mais dinheiro) e não a vontade de Deus. Se eu tenho uma vocação a determinada profissão e não a sigo, não sei dizer se peco gravemente; mas sei dizer que não serei aquilo que Deus sonhou que eu fosse.

Infelizmente, muita gente hoje dá a atenção indevida a alguns coachs, psicólogos, mentores e até psiquiatras, que embora se digam cristãos, olham a vida da pessoa apenas numa perspectiva naturalista. Eu tenho formação em coaching, mas comecei a me afastar um pouco da prática da profissão ao ver que alguns colegas católicos começavam a adentrar na “eulatria”, na busca da “minha vontade”, fazendo de si mesmo um Deus. A Inteligência Emocional – que eu gosto muito, diga-se de passagem – ao invés de ser usada para ajudar as pessoas a cumprirem o seu propósito de vida – aquele inscrito por Deus no coração de cada um – passou a ser usada para fazer as pessoas a conquistarem a sua própria vontade. Segundo alguns místicos, como Santa Faustina, podemos ver que o remorso de consciência é uma forma de Deus nos falar que determinada coisa é errada, não é a vontade de Deus. Hoje, não são poucos os que tratam isso como “pensamento limitante” e usam de técnicas para fazer com que as pessoas cheguem aonde elas querem, abafando a voz de Deus.

Se você é cristão, de maneira especial Católico, deve saber o seguinte: Jesus nos ensinou a oração do Pai Nosso. Nesta oração nós pedimos duas coisas interessantes:

1)      Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no Céu.

2)     Livra-nos do mal.

Esses dois pedidos, para quem reza com verdadeira fé, fazem com que Deus entre na nossa vida para que se faça a vontade d’Ele, não a nossa.

No Céu tudo está ordenado. Todos amam e adoram a Deus. A vontade de Deus deve acontecer na terra também. Se no Céu todos são o que Deus queria (quer), na terra devemos ser o que Deus quer. É isso o que rezamos no Pai Nosso. A cartilha de alguns dos profissionais citado (eu disse alguns) é essa: seja feita a minha vontade, porque eu sou o senhor da minha vida; pois eu posso fazer qualquer coisa que eu quiser.

Além disso, o pedido de nos livrar do mal pode ser entendido de duas maneiras. O mal é o demônio. Lembro-me que o saudoso exorcista Padre Gabrielh Amorth lembrava que outrora essa parte da oração traduzia-se e rezava-se como “livra-nos do maligno”. Portanto, pedimos para que Deus nos livre da ação do demônio. Mas também podemos entender como um pedido para que Deus nos livre de tudo aquilo que for um mal para nossa alma. E não poucas vezes a nossa vontade é um mal. Ora, pedir para Deus que nos livre do mal é quase sempre pedir para que Ele nos livre da nossa vontade própria.

Portanto, diante dos insucessos da vida, das contrariedades, não blasfeme contra Deus perguntando “Por que tudo dá errado na minha vida?”; afinal, pode ser apenas que a tua vontade não se realizou porque se aquilo que você tanto queria se realizasse seria um grande mal para você.

Para evidenciar isso basta ver quantas pessoas insistiram em determinadas coisas. As vezes orava e vinha um sentimento de que não devia prosseguir. Meditava e via que talvez não fosse um bom caminho. Mas tratou tudo num naturalismo doentio “é pensamento limitante” e prosseguiu. Conheço pessoas que se afundaram no pecado. Abandonaram a Deus. Ganharam o mundo, mas pode ser que tenham perdido a alma.

Eu sempre digo que se alguém reza o Pai Nosso com fé, tem a certeza de que Deus vai intervir. Talvez quantos namoros que não deram certo não foram respostas de Deus a nossa oração “livra-nos do mal”. Assim digo o mesmo em relação a empregos, cargos, concursos, empresas, amizades, etc.

Você não sabe do futuro. Conta-se que um homem procurou São Padre Pio para dizer que queria se tornar frade. Ele então contou-lhe que iria ingressar nos Franciscanos Conventuais. São Padre Pio, famoso pelo dom de ciência que tinha, olhou para aquele homem e disse que se quisesse ser conventual, podia ir, mas sem sua benção. O homem, pasmo, então disse que seria capuchinho. Padre Pio deu sua benção. Para os naturalistas Padre Pio apenas puxou para si a sardinha, uma vez que era Capuchinho. Mas o fato é que pouco tempo depois, o convento dos frades conventuais que aquele homem ingressaria, pegou fogo e houve grande ruína. Deus apenas o livrou de um mal.

Aí alguém deve perguntar: por que Deus deixou o convento pegar fogo? Ora, a vontade de Deus – e entra também em jogo a permissão de Deus – é diferente para cada pessoa. Deus quis livrar aquele vocacionado, mas não os frades. Porque entra em jogo uma coisa que os cristãos do século XXI também negam: as aparentes desgraças, também podem ser graças nos desígnios de Deus. Santo Tomás diz que de um mal Deus pode tirar um bem. Já o Apóstolo São Paulo afirma que TUDO concorre para o BEM daqueles que amam a Deus. Os naturalistas acham que esse tudo é “tudo vai me ajudar a ter sucesso”. Mas não é isso. O nosso bem é a santidade. Portanto, o tudo aqui se refere as coisas ruins ou boas... Tudo vai me ajudar a chegar ao Sumo Bem que é Deus; tudo me concorre para que sejamos santos.

Santa Catarina de Sena é enfática em sua doutrina ao afirmar que tudo que nos acontece, que Deus quer, permite ou manda, até mesmo as tentações do diabo, visa como fim a nossa santificação. Há muita gente perdendo a fé porque aconteceram dificuldades por causa da pandemia; mas não só a pandemia, como toda a dificuldade em torno dela, Deus o permitiu como o fim da nossa santificação.

Nós precisamos parar um pouco com a autoajuda e passarmos a ler a vida dos santos. Teve um período da minha vida em que só me aconteciam aparentes desgraças: namoro que não progredia e findou de maneira melancólica, projetos profissionais arruinados, quase tudo dava errado. Como eu era coach (ou sou, pelo menos de formação) estava a me atualizar com algumas leituras. E um dos autores era protestante aderente da teologia da prosperidade. E uma das coisas que ele falava, desfigurando a originalidade do que Jesus disse, é que Jesus veio para nos dar vida em abundância, e vida em abundância é ser abundante em todas as áreas da vida. Logo eu comecei a entrar em crise: minha vida amorosa uma porcaria, financeira pior ainda. Comecei a achar meu tempo dedicado a missão um tempo perdido. O problema, caríssimos, é que essa galera olha a vida – e consequentemente a relação com Deus – uma busca incessante pelo sucesso e pelo dinheiro. Sou abençoado se sou rico. Sou abençoado se os bens se multiplicam. Se não sou rico, não estou sendo fiel ao meu propósito. Ledo engano.

Bom, comecei a ter a cabeça no lugar quando ganhei o livro Fontes Franciscanas – mas não por causa de Francisco, pois comecei a sentir horror ao fato daquele homem rico dar tudo que tinha aos pobres e se tornar um pobre. Nos dias de hoje os coachs e psicólogos diriam que São Francisco era um homem com pensamentos limitantes e escrúpulos com dinheiro. Mas a leitura dos escritos do Beato Egídio me acalmaram. Pouco tempo depois, em meio as meditações lembrei-me do grande São Luís Maria Grignion de Montfort. Para quem não sabe, embora tenha sido um grande santo, tendo até experiências místicas, humanamente falando ele foi um fracassado: diversas dioceses o proibiram de pregar; durante sermões, era interrompido por padres que não gostavam dele e mandavam-o se calar. Deus o inspirou a fundar uma Congregação, mas não conseguia discípulos. Um dia apareceu um jovem disposto a segui-lo para ser seminarista. O jovem pediu apenas o burrinho que o santo usava como transporte para avisar aos pais. Passou as horas e ele percebeu que na verdade havia sido roubado. Portanto, embora tenha feito grandes coisas por Deus e pela Virgem Maria, a vida de São Luís é marcada pelos insucessos. Mas estes insucessos foram usados por Deus para santifica-los de alguma forma. Para quem pede com sinceridade que se faça a vontade de Deus, ela se fará – mesmo nos contrariando.

Mas nós somos muito falsos na oração. Se vamos à uma entrevista de emprego, dizemos: “que eu só fique aqui se for tua vontade, Senhor. Se não for um bom lugar, que eu não seja chamada”. Passada uma semana sem o retorno da empresa, logo murmuramos: “Por que, Deus?” Eu sei que é difícil entender isso. Naquela crise que eu passei e citei brevemente aqui, também não entendia. Mas peço apenas este ato de fé: lance-se na vontade de Deus. Ela é o que nos trará a verdadeira felicidade.

Por fim, caríssimos, quero que fique frisado em vossos corações: Deus tem uma vontade. Cabe a você segui-la ou não. Busque a sua vocação. Mesmo você leigo, que está no mundo, reze e peça iluminação ao Espírito Santo: qual é a vossa vontade para minha vida? Qual meu lugar no mundo? Ilumina-me na vida profissional, familiar, afetiva, etc. Você pode seguir a própria vontade. Mas isso não exclui o fato que Deus tem uma vontade para nós. Por isso, insisto, reze e medite. Veja os teus talentos pessoais. Para mais uma imagem – perdoem-me pela pobreza das imagens que uso – uma pessoa com habilidade nos pés, que sabe jogar futebol muito bem, não pode querer ser nadador somente porque é sua vontade. Nós podemos ser treinados a realizar as coisas com certa perfeição. Mas a perfeição da execução só virá juntamente com a felicidade e paz de alma quando estiver unida a vontade de Deus.

Que a exemplo da Virgem Maria, possamos dizer livremente: Faça-se em mim segundo Vossa Palavra!




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