A VONTADE DE DEUS EXISTE!
Por mais que sejamos dotados de livre arbítrio, isso não anula um fato: Deus tem uma vontade pessoal para cada um de nós. De maneira geral, Deus quer, como diz o Apóstolo, que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Podemos dizer de maneira resumida, usando uma fala de Deus no Antigo Testamento, que sua vontade de resume em: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lev. 19,2).
O problema é que muitas
pessoas acham que a vontade de Deus é geral, não pessoal. A vontade de Deus é
que sejamos santos, mas eu – diria o cristão do século XXI – serei santo do meu
jeito, fazendo as minhas vontades. As pessoas acham que a vontade de Deus para
nós é simplesmente não cometer os pecados mais grosseiros: não adultero, não me
prostituo, não uso drogas, não cometo assaltos... Estou fazendo a vontade de
Deus. E não é bem assim.
A vontade geral – universal,
para usar o termo dito pelo Concílio Vaticano II – de Deus é que sejamos
santos. Mas não ao nosso modo, mas ao modo de Deus. São Francisco de Assis e
São Domingos foram santos, mas a vontade de Deus para cada um foi extremamente
diferente. A vida franciscana foi e é diferente da vida dominicana. Assim nós
vemos as diversas manifestações de santidade na Igreja: ordens, congregações,
institutos, comunidades, confrarias, apostolados. Mas não somente isso. A
própria vivência pessoal de cada um, a relação de cada um com Deus, é
diferente. Deus quis que alguns franciscanos fossem mártires. Santo Antônio de
Pádua, inspirado neste testemunho, torna-se franciscano para também ser mártir.
Ao viajar para junto dos pagãos, fica doente e tem que regressar. A vontade
pessoal de Deus para ele não era o martírio, mas sim o ser eloquente pregador
do Evangelho.
No século XXI nós estamos
cometendo a heresia – se assim posso definir – de dizer que Deus não tem uma
vontade pessoal para nossas vidas. É claro que seria uma igual heresia eu dizer
que Deus não respeita a escolha pessoal de cada um e/ou que somos marionetes;
afinal, a Igreja já declarou ser heresia a doutrina da predestinação. Não somos
predestinados; mas Deus tem uma vontade para nós, cabe a nós corresponder ou
não.
Usemos a seguinte figura:
você é um filho muito amado de seus pais. Desde cedo eles te colocaram em uma
boa escola, deram uma boa educação. Eles queriam que você cursasse medicina;
você, todavia, decidiu ser arquiteto. Os seus pais vão continuar te amando e
respeita a sua decisão; mas isso não anula o fato de que a vontade dos pais era
a medicina, não a arquitetura.
Com Deus acontece semelhante,
embora o exemplo seja uma pálida visão da realidade. Deus quando nos criou nos
deu dons, talentos, capacidades. Ele tem uma vontade pessoal para nós. Mas nós
somos livres. Nós podemos escolher corresponder aos dons e talentos que Ele nos
deu ou não. Se você tem talentos para exercer determinado ofício, mas decide
seguir outro simplesmente pensando em um maior lucro, você estará fazendo sua
vontade (ganhar mais dinheiro) e não a vontade de Deus. Se eu tenho uma vocação
a determinada profissão e não a sigo, não sei dizer se peco gravemente; mas sei
dizer que não serei aquilo que Deus sonhou que eu fosse.
Infelizmente, muita gente
hoje dá a atenção indevida a alguns coachs, psicólogos, mentores e até psiquiatras,
que embora se digam cristãos, olham a vida da pessoa apenas numa perspectiva
naturalista. Eu tenho formação em coaching, mas comecei a me afastar um pouco
da prática da profissão ao ver que alguns colegas católicos começavam a
adentrar na “eulatria”, na busca da “minha vontade”, fazendo de si mesmo um
Deus. A Inteligência Emocional – que eu gosto muito, diga-se de passagem – ao
invés de ser usada para ajudar as pessoas a cumprirem o seu propósito de vida –
aquele inscrito por Deus no coração de cada um – passou a ser usada para fazer
as pessoas a conquistarem a sua própria vontade. Segundo alguns místicos, como
Santa Faustina, podemos ver que o remorso de consciência é uma forma de Deus
nos falar que determinada coisa é errada, não é a vontade de Deus. Hoje, não
são poucos os que tratam isso como “pensamento limitante” e usam de técnicas
para fazer com que as pessoas cheguem aonde elas querem, abafando a voz de
Deus.
Se você é cristão, de maneira
especial Católico, deve saber o seguinte: Jesus nos ensinou a oração do Pai
Nosso. Nesta oração nós pedimos duas coisas interessantes:
1)
Seja feita a Vossa vontade assim na terra como
no Céu.
2)
Livra-nos do mal.
Esses dois pedidos, para quem
reza com verdadeira fé, fazem com que Deus entre na nossa vida para que se faça
a vontade d’Ele, não a nossa.
No Céu tudo está ordenado.
Todos amam e adoram a Deus. A vontade de Deus deve acontecer na terra também.
Se no Céu todos são o que Deus queria (quer), na terra devemos ser o que Deus
quer. É isso o que rezamos no Pai Nosso. A cartilha de alguns dos profissionais
citado (eu disse alguns) é essa: seja feita a minha vontade, porque eu sou o
senhor da minha vida; pois eu posso fazer qualquer coisa que eu quiser.
Além disso, o pedido de nos
livrar do mal pode ser entendido de duas maneiras. O mal é o demônio. Lembro-me
que o saudoso exorcista Padre Gabrielh Amorth lembrava que outrora essa parte
da oração traduzia-se e rezava-se como “livra-nos do maligno”. Portanto,
pedimos para que Deus nos livre da ação do demônio. Mas também podemos entender
como um pedido para que Deus nos livre de tudo aquilo que for um mal para nossa
alma. E não poucas vezes a nossa vontade é um mal. Ora, pedir para Deus que nos
livre do mal é quase sempre pedir para que Ele nos livre da nossa vontade própria.
Portanto, diante dos
insucessos da vida, das contrariedades, não blasfeme contra Deus perguntando
“Por que tudo dá errado na minha vida?”; afinal, pode ser apenas que a tua
vontade não se realizou porque se aquilo que você tanto queria se realizasse seria
um grande mal para você.
Para evidenciar isso basta
ver quantas pessoas insistiram em determinadas coisas. As vezes orava e vinha
um sentimento de que não devia prosseguir. Meditava e via que talvez não fosse
um bom caminho. Mas tratou tudo num naturalismo doentio “é pensamento
limitante” e prosseguiu. Conheço pessoas que se afundaram no pecado.
Abandonaram a Deus. Ganharam o mundo, mas pode ser que tenham perdido a alma.
Eu sempre digo que se alguém
reza o Pai Nosso com fé, tem a certeza de que Deus vai intervir. Talvez quantos
namoros que não deram certo não foram respostas de Deus a nossa oração
“livra-nos do mal”. Assim digo o mesmo em relação a empregos, cargos,
concursos, empresas, amizades, etc.
Você não sabe do futuro.
Conta-se que um homem procurou São Padre Pio para dizer que queria se tornar
frade. Ele então contou-lhe que iria ingressar nos Franciscanos Conventuais.
São Padre Pio, famoso pelo dom de ciência que tinha, olhou para aquele homem e
disse que se quisesse ser conventual, podia ir, mas sem sua benção. O homem,
pasmo, então disse que seria capuchinho. Padre Pio deu sua benção. Para os
naturalistas Padre Pio apenas puxou para si a sardinha, uma vez que era
Capuchinho. Mas o fato é que pouco tempo depois, o convento dos frades
conventuais que aquele homem ingressaria, pegou fogo e houve grande ruína. Deus
apenas o livrou de um mal.
Aí alguém deve perguntar: por
que Deus deixou o convento pegar fogo? Ora, a vontade de Deus – e entra também
em jogo a permissão de Deus – é diferente para cada pessoa. Deus quis livrar
aquele vocacionado, mas não os frades. Porque entra em jogo uma coisa que os
cristãos do século XXI também negam: as aparentes desgraças, também podem ser
graças nos desígnios de Deus. Santo Tomás diz que de um mal Deus pode tirar um
bem. Já o Apóstolo São Paulo afirma que TUDO concorre para o BEM daqueles que
amam a Deus. Os naturalistas acham que esse tudo é “tudo vai me ajudar a ter
sucesso”. Mas não é isso. O nosso bem é a santidade. Portanto, o tudo aqui se
refere as coisas ruins ou boas... Tudo vai me ajudar a chegar ao Sumo Bem que é
Deus; tudo me concorre para que sejamos santos.
Santa Catarina de Sena é
enfática em sua doutrina ao afirmar que tudo que nos acontece, que Deus quer,
permite ou manda, até mesmo as tentações do diabo, visa como fim a nossa
santificação. Há muita gente perdendo a fé porque aconteceram dificuldades por
causa da pandemia; mas não só a pandemia, como toda a dificuldade em torno
dela, Deus o permitiu como o fim da nossa santificação.
Nós precisamos parar um pouco
com a autoajuda e passarmos a ler a vida dos santos. Teve um período da minha
vida em que só me aconteciam aparentes desgraças: namoro que não progredia e
findou de maneira melancólica, projetos profissionais arruinados, quase tudo
dava errado. Como eu era coach (ou sou, pelo menos de formação) estava a me
atualizar com algumas leituras. E um dos autores era protestante aderente da
teologia da prosperidade. E uma das coisas que ele falava, desfigurando a
originalidade do que Jesus disse, é que Jesus veio para nos dar vida em
abundância, e vida em abundância é ser abundante em todas as áreas da vida.
Logo eu comecei a entrar em crise: minha vida amorosa uma porcaria, financeira
pior ainda. Comecei a achar meu tempo dedicado a missão um tempo perdido. O
problema, caríssimos, é que essa galera olha a vida – e consequentemente a
relação com Deus – uma busca incessante pelo sucesso e pelo dinheiro. Sou
abençoado se sou rico. Sou abençoado se os bens se multiplicam. Se não sou
rico, não estou sendo fiel ao meu propósito. Ledo engano.
Bom, comecei a ter a cabeça
no lugar quando ganhei o livro Fontes Franciscanas – mas não por causa de
Francisco, pois comecei a sentir horror ao fato daquele homem rico dar tudo que
tinha aos pobres e se tornar um pobre. Nos dias de hoje os coachs e psicólogos
diriam que São Francisco era um homem com pensamentos limitantes e escrúpulos
com dinheiro. Mas a leitura dos escritos do Beato Egídio me acalmaram. Pouco
tempo depois, em meio as meditações lembrei-me do grande São Luís Maria
Grignion de Montfort. Para quem não sabe, embora tenha sido um grande santo,
tendo até experiências místicas, humanamente falando ele foi um fracassado:
diversas dioceses o proibiram de pregar; durante sermões, era interrompido por
padres que não gostavam dele e mandavam-o se calar. Deus o inspirou a fundar
uma Congregação, mas não conseguia discípulos. Um dia apareceu um jovem
disposto a segui-lo para ser seminarista. O jovem pediu apenas o burrinho que o
santo usava como transporte para avisar aos pais. Passou as horas e ele
percebeu que na verdade havia sido roubado. Portanto, embora tenha feito
grandes coisas por Deus e pela Virgem Maria, a vida de São Luís é marcada pelos
insucessos. Mas estes insucessos foram usados por Deus para santifica-los de
alguma forma. Para quem pede com sinceridade que se faça a vontade de Deus, ela
se fará – mesmo nos contrariando.
Mas nós somos muito falsos na
oração. Se vamos à uma entrevista de emprego, dizemos: “que eu só fique aqui se
for tua vontade, Senhor. Se não for um bom lugar, que eu não seja chamada”.
Passada uma semana sem o retorno da empresa, logo murmuramos: “Por que, Deus?”
Eu sei que é difícil entender isso. Naquela crise que eu passei e citei
brevemente aqui, também não entendia. Mas peço apenas este ato de fé: lance-se
na vontade de Deus. Ela é o que nos trará a verdadeira felicidade.
Por fim, caríssimos, quero
que fique frisado em vossos corações: Deus tem uma vontade. Cabe a você
segui-la ou não. Busque a sua vocação. Mesmo você leigo, que está no mundo,
reze e peça iluminação ao Espírito Santo: qual é a vossa vontade para minha
vida? Qual meu lugar no mundo? Ilumina-me na vida profissional, familiar,
afetiva, etc. Você pode seguir a própria vontade. Mas isso não exclui o fato
que Deus tem uma vontade para nós. Por isso, insisto, reze e medite. Veja os
teus talentos pessoais. Para mais uma imagem – perdoem-me pela pobreza das
imagens que uso – uma pessoa com habilidade nos pés, que sabe jogar futebol
muito bem, não pode querer ser nadador somente porque é sua vontade. Nós
podemos ser treinados a realizar as coisas com certa perfeição. Mas a perfeição
da execução só virá juntamente com a felicidade e paz de alma quando estiver
unida a vontade de Deus.
Que a exemplo da Virgem
Maria, possamos dizer livremente: Faça-se em mim segundo Vossa Palavra!
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