O ROSTO DA MÃE DO REDENTOR – Catequese de S. João Paulo II

by - setembro 21, 2014



Dizendo que “a Virgem Maria é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus Redentor” (Lumem Gentium, 53), o Concílio chama a atenção para o ligame existente entre a maternidade de Maria e a redenção.

Depois de ter tomado consciência do papel materno de Maria, venerada na doutrina e no culto dos primeiros séculos como Mãe virginal de Jesus Cristo e, portanto, Mãe de Deus, na Idade Média a piedade e a reflexão teológica da Igreja aprofundam a sua colaboração na obra do Salvador.

Explica-se este atraso com o fato que o esforço dos Padres da Igreja e dos primeiros Concílios ecumênicos, centrado como estava no mistério da identidade de Cristo, deixou necessariamente no esquecimento outros aspectos do dogma. Só progressivamente é que a verdade revelada poderá ser explicitada em toda a sua riqueza. No decurso dos séculos, a Mariologia se orientará sempre em função da Cristologia. A própria maternidade divina de Maria é proclamada no Concílio de Éfeso, sobretudo para afirmar a unidade pessoal de Cristo. O mesmo aconteceu para o aprofundamento da presença de Maria na história da salvação.

2. No final do segundo século Santo Irineu, discípulo de Policarpo, põe já em evidência a contribuição de Maria na obra da salvação. Ele compreendeu o valor do consenso de Maria no momento da Anunciação, reconhecendo, na obediência e na fé da Virgem de Nazaré à mensagem do anjo, a antítese perfeita da desobediência e da incredulidade de Eva, com efeito benéfico sobre o destino da humanidade. De fato, assim como Eva causou a morte, de igual modo Maria, com o seu “sim”, se tornou “causa de salvação” para si própria e para todos os homens (cf. Adv. Haer. 3.22, 4; SC 211, 441). Mas trata-se de uma afirmação não desenvolvida de modo orgânico e habitual pelos outros Padres da Igreja.

Essa doutrina, porém, é sistematicamente elaborada pela primeira vez, no final do décimo século, na “Vita di Maria”, escrita por um monge bizantino, João, o Geometra. Maria é aqui unida a Cristo, em toda a sua obra redentora, participando, segundo o plano divino, na Cruz e sofrendo pela nossa salvação. Ela permaneceu unida ao Filho “em toda a ação, atitude e vontade” (Vita di Maria, Bol. 196, f. 122 v.). A associação de Maria à obra salvífica de Jesus realiza-se mediante o seu amor de Mãe, um amor animado pela graça, que lhe confere uma força superior: a mais isenta de paixão mostra-se a mais compassiva (cf. ibid. Bol. 196, f. 123 v.).

3. No Ocidente São Bernardo, falecido em 1153, ao dirigir-se a Maria, assim comentava a Apresentação de Jesus no Templo: “Oferece teu Filho, sacrossanta Virgem, e apresenta ao Senhor o fruto do teu seio. Para a nossa reconciliação com todos, oferece a hóstia santa, agradável a Deus.” (Sermo 3 in Purif., 2, PL 183, 370).

Um discípulo e amigo de São Bernardo, Arnaldo de Chartres, ressalta em particular a oferenda de Maria no sacrifício do Calvário. Ele distingue na Cruz “dois altares: um no coração de Maria, o outro no corpo de Cristo. Cristo imolava a sua carne, Maria a sua alma”. Maria imola-se espiritualmente em profunda comunhão com Cristo e suplica pela salvação do mundo: “Aquilo que a mãe pede, o Filho aprova-o, o Pai conde-o” (De septem verbis Domino in cruce, 3: PL 189, 1694).

Dessa época em diante, outros autores expõem a doutrina da especial cooperação de Maria no sacrifício redentor.

4. Contemporaneamente, culto e na piedade cristã, desenvolve-se o olhar contemplativo sobre a “compaixão” de Maria, representada de modo significativo nas imagens da “Pietá”. A participação de Maria no drama da Cruz torna este evento mais profundamente humano e ajuda os fiéis a entrarem no mistério: a compaixão da Mãe faz descobrir melhor a Paixão do Filho.

Com a participaçaõ na obra redentora de Cristo, é também reconhecida a maternidade espiritual e universal de Maria. No Oriente, João, o Geómetra, diz de Maria: “Tu és a nossa Mãe”. Ao dar graças a Maria Epelas dores e sofrimentos suportados por nós”, ele põe em evidência o seu afeto materno e a qualidade de Mãe em relação a todos aqueles que recebem a salvação (cf. Discurso de despedida sobre a Morte da gloriosíssima Nossa Senhora, Mãe de Deus, em A. Wenger, L'Assomption de la T. S. Vierge dans la tradition byzantine, 407).

Também no Ocidente a doutrina da maternidade espiritual se desenvolve com Santo Anselmo, que afirma: “Tu és a Mãe... da reconciliação e dos reconciliados, a Mãe da salvação e dos que foram salvos” (cf. Oratio 52, 8: PL 158, 957 A).

Maria não cessa de ser venerada como Mãe de Deus, mas o fato de ser nossa Mãe, confere à sua maternidade divina um novo rosto e abre-nos o caminho para uma comunhão mais íntima com ela.

5. A maternidade de Maria em relação a nós não consiste apenas num ligame afetivo: pelos seus méritos e intercessão, ela contribui eficazmente para o nosso nascimento espiritual e o desenvolvimento da vida da graça em nós. Por este motivo, Maria é chamada “Mãe da graça”, “Mãe da vida”.

O título “Mãe da vida”, já usado por Gregório de Nissa, foi explicado assim por Guérrico d'Igny, falecido em 1157: “Ela é a Mãe da Vida, da qual vivem todos os homens: gerando por si mesma esta vida, num certo modo regenerou todos os que a haveriam de viver. Um só foi gerado, mas todos nós fomos regenerados” (In Assumpt. I, 2, PL 185, 188).

Um texto do décimo terceiro século, o “Mariale”, usando uma imagem arrojada, atribui esta regeneração ao “parto doloroso” do Calvário, com o qual ela se tornou mãe espiritual de todo o gênero humano”; com efeito, “nas suas castas entranhas ela concebeu, por compaixão, os filhos da Igreja” (Q. 29 § 3).

6. O Concílio Vaticano II, depois de ter afirmado que Maria “cooperou de modo singular na obra do Salvador...” assim conclui: “É por esta razão nossa Mãe na ordem da graça” (Lumem gentium, 61), confirmando, desse modo, o sentir eclesial que vê Maria ao lado do Filho como Mãe espiritual da humanidade inteira.

Maria é nossa Mãe: esta consoladora verdade, que nos é oferecida de modo cada vez mais claro e profundo pelo amor e pela fé da Igreja, sustentou e sustenta a vida espiritual de todos nós e encoraja-nos, mesmo no sofrimento, à confiança e à esperança.

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(Destaque nosso)


L'Osservatore Romano, Ed. Port. n.43, 28/10/95, pag. 12(528)

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