FALSO MORALISMO E A NEGAÇÃO DA HUMANIDADE

by - janeiro 04, 2022

 


Houve um tempo em que hereges negaram a humanidade de Cristo, que é Deus e homem! Hoje, porém, falsos moralistas parecem querer negar a própria humanidade do ser humano, desejando fazê-lo um anjo na terra. Todavia, é preciso aceitar uma verdade tão verdadeira como a afirmação de que a água é molhada: não somos puros espíritos, mas temos corpo e alma; logo, precisamos aprender a viver na Terra como seres humanos que somos, isto é, lidar com todas as potencialidades e tendências.

Os anjos no Céu contemplam Deus face a face o tempo inteiro. Os santos no céu, aliás, também fazem isso. Nós, porém, enquanto estamos no mundo, devemos viver como homens humanos que somos. Devemos buscar a Deus, mas sem negar a humanidade. Devemos fugir do pecado – inclusive do pecado de negar-se ser humano!

Tenho visto homens e mulheres, sozinhos ou em comunidades, fazerem da própria vida e da de outros um inferno por causa dos escrúpulos, que em determinados casos é a negação da própria humanidade. Há pessoas que acham que o servo de Deus é aquele que só reza. Mas nem só de reza vive o homem, pois Cristo disse que não veio nos tirar do mundo, mas nos dar a graça de vencê-lo. Ora, precisamos ter equilíbrio! Há quem ache que todos os divertimentos são imorais: não pode jogar futebol, dominó, vôlei, basquete, cartas… Tudo é pecado! Tudo rouba de Deus! Ora, mas Deus veio nos livrar do pecado, não dos sadios divertimentos. Se usamos a virtude da temperança, que mal há num futebol, por exemplo?

Logo, há pessoas que negam a necessidade do ser humano de divertir-se de alguma forma (necessidade essa que Santo Tomás de Aquino chama de virtude da eutrapelia) e começam a viver de maneira depressiva. Aí a depressão e a ansiedade vão tomando conta, as pessoas se afastam, mas o falso moralista acha que isso é só o preço por viver e pregar a verdade. A verdade, porém, é que quando nos afastamos do nosso humano a tendência é pouco a pouco nos afastarmos de Deus, pois queremos ser deuses, sendo que somos homem.

Quando a questão chega na sexualidade e afetividade a coisa piora de figura. Devemos fugir da impureza sob qualquer aspecto: fornicação, adultério, orgias etc. Todavia, a vivência da castidade não anula o que somos – disse e repito -: ser humano! E como seres humanos que somos, somos seres sexuados. Não sou uma abóbora! Não sou uma garrafa inanimada! Sou um ser humano sexuado. E assim devo aprender a viver. Os falsos moralistas querem negar isso trazendo um clima de que qualquer coisa é pecado. Na verdade, o problema é que acham que o sentimento é pecado, mas a Igreja sempre ensinou que o pecado não reside no sentimento, mas sim no consentimento! Sentir atração física por alguém não mostra que você pecou, mostra que você é ser humano. Pecado seria apenas se começasse deliberadamente, isto é, com vontade própria, a alimentar pensamentos impuros – com mais gravidade se uma das pessoas for casada, sendo desejo de adultério. A simples atração física é extremamente normal.

A busca pela castidade não pode se transformar na negação da essência humana da pessoa. E acho – achismo mesmo, me perdoem! - que essa tendência cresce no meio católico por causa de uma má interpretação da vida e obra de alguns santos católicos. Hoje mesmo eu fazia uma meditação com um texto de Santo Afonso Maria de Ligório onde ele pedia a Deus que lhe retirasse todos os afetos para com as criaturas. Ele está errado? Na vida dele, não! Na minha, seria um erro pedir isso. E vou te explicar: Quando você lê Santo Afonso pedindo isso você precisa entender que ele era um religioso que se tornou Bispo. Ele era um homem consagrado a Deus. Os afetos desordenados é perigoso para todos, mas para um religioso é bem mais perigoso. Não posso, porém, ler Santo Afonso pedindo para Deus lhe tirar os afetos e passar a negar os meus afetos, afinal, a afetividade é algo inerente a realidade humana. Para nós leigos, a oração não deve consistir em pedir para Deus tirar nossos afetos, mas pedir auxílio ao Espírito Santo para ordenar nossos afetos para que possamos viver como homens, não como animais que agem somente pelos instintos.

Quando a pessoa nega seus sentimentos humanos, seus afetos, suas tendências biológicas, faz da própria vida e da dos outros um inferno. Hoje há namoros e casamentos que findam simplesmente porque nega-se a realidade humana. Há casais de namorados que evitam se ver por causa da atração física. Ora, tudo bem evitar ficar juntinhos sozinhos no quarto para evitar o pecado do sexo antes do casamento, todavia, negar a convivência com o outro porque sente forte atração é loucura! Você não é um repolho! Qual o resultado disso? Casam-se (quando casam) sem conhecer o outro porque não conviveram o suficiente por medo de pecar por sentirem que são humanos; logo depois, porém, vem a surpresa pela péssima convivência no casamento e divorciam-se! Além disso, há casais – acredite se quiser! - que namoram de maneira tão escrupulosa, nem pegando na mão direito, que quando casam não conseguem consumar o matrimônio, isto é, não conseguem ter relações sexuais – não porque seja pecado, pois casados o sexo é fonte de bençãos, mas porque passou tanto tempo negando a humanidade, negando afeto ao outro, que os cônjuges acabam se retraindo e não conseguindo viver a sexualidade no casamento.

Não estou dizendo, no entanto, que a solução é ter namoros impuros, ou seja, namoros com sexo para experimentar, como prega o mundo! Longe de mim isso! Nem digo que o namoro deve ser regado a carícias que mais pareça preliminar de sexo! O que digo, então? Que para quem é leigo e quer casar, precisa aceitar o fato de que sentirá atração. Não se pode negar isso! É preciso conviver com a outra pessoa e ter as carícias lícitas – pois sois humanos, não um repolho!

Há pessoas que não demonstram seus afetos para os próprios filhos, dizendo que é tolice e não precisa disso. Quer evitar o apego. As pessoas querem viver como anjos que não são. Além disso, houve e há pessoas que vivem sem demonstrações de afeto, mas são pouquíssimos que Deus assim o quis por uma graça especial. Você não é padre do deserto! E até os mais rigorosos penitentes em suma só o conseguiram porque houve, de contrapartida da parte de Deus, grandes consolações da parte de Deus, que supria a falta humana.

No mais, caríssimos, lembremos que viver no Espírito não é viver negando a carne. Tanto é verdade que vejo pessoas de muita oração que findaram seus casamentos. Acho que precisamos melhorar a formação doutrinária a respeito do matrimônio; mas, por outro lado, precisamos melhorar a formação humana. Quem não se formar em sua humanidade buscando autoconhecimento nunca conseguirá ser santo, pois o santo não é quem deixa de ser humano, mas quem vive com seus afetos ordenados segundo a vontade de Deus! Você não pode deixar de sentir, mas pode escolher como sentir. Como diria Santo Agostinho: Conheça-te! Aceita-te! Supera-te!

You May Also Like

1 comentários