Santa Teresa D'Ávila - Nas mãos de Deus

by - maio 07, 2012


“Sou vossa, sois o meu fim:
Que mandais fazer de mim?
Soberana Majestade
E sabedoria eterna,
Deus uno, suma bondade,
Olhai que a minha ruindade,
Toda amor, vos canta assim:
Que mandais fazer de mim?
Vossa sou, pois me criastes,
Vossa, porque me remistes,
Vossa, porque me atraístes
E porque me suportastes;
Vossa, porque me esperastes
E me salvastes, por fim:
Que mandais fazer de mim?...
Eis aqui meu coração:
Deponho-o na vossa palma;
Minhas entranhas, minha alma,
Meu corpo, vida e afeição.
Doce Esposo e redenção,
A vós entregar-me vim:
Que mandais fazer de mim?
Morte dai-me, dai-me vida;
Saúde ou moléstia dai-me;
Honra ou desonra mandai-me;
Dai-me paz ou guerra e lida
Seja eu fraca ou destemida,
A tudo direi que sim:
Que mandais fazer de mim?
Dai-me riqueza ou pobreza,
Exaltação ou labéu;
Dai-me alegria ou tristeza,
Dai-me inferno ou dai-me céu;
Doce vida, sol sem véu,
Pois me rendi toda, enfim:
Que mandais fazer de mim?
Se quereis, dai-me oração;
Se não, daí-me soledade;
Abundancia e devoção,
Ou míngua e esterilidade.
Soberana Majestade,
A paz só encontro assim:
Que mandais fazer de mim?
Dai-me, pois, sabedoria,
Ou, por amor, ignorância;
Anos dai-me de abundância,
Ou de fome e carestia;
Dai-me treva ou claro dia,
Vicissitudes sem fim:
Que mandais fazer de mim?
Se me quereis descansando,
Por amor o quero estar;
Se me mandais trabalhar,
Morrer quero trabalhando.
Dizei: onde? Como? E quando?
Dizei, doce amor, por fim:
Que mandais fazer de mim?
Dai-me Calvário ou Tabor;
Deserto ou terra abundante;
Seja eu como Jó na dor
Ou João sobre o peito amante;
Seja vinha luxuriante
Ou, se quereis, vinha ruim:
Que mandais fazer de mim?...
Já calada, já falando,
Traga frutos ou não traga,
Veja eu na Lei minha chaga,
Ou goze evangelho brando;
Quer fruindo, quer penando,
Sede a minha vida, enfim!
Que mandais fazer de mim?
Pois sou vossa, e vós meu fim:
Que mandais fazer de mim?”

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